Declínio Cognitivo em Parkinson e Demência com Corpos de Lewy

Atualizado pela última vez em 06/03/2024

Declínio cognitivo em Parkinson e demência com corpos de Lewy

Existem várias doenças que podem comprometer as funções cognitivas (relacionadas ao pensamento) e o comportamento. Embora a doença de Parkinson seja mais conhecida pelos sintomas motores que acarreta, nos estágios avançados pode afetar a memória, a atenção e outras capacidades mentais. Nesse artigo veremos as características do declínio cognitivo na doença de Parkinson e uma outra doença chamada Demência com Corpos de Lewy. Como as duas estão relacionadas, você verá logo abaixo.

A alfa-sinucleína é a causa comum de ambas doenças

Tanto a Doença de Parkinson como a Demência com Corpos de Lewy estão relacionadas ao acúmulo anormal de uma proteína chamada alfa-sinucleína. Quando essa proteína se acumula indevidamente dentro dos neurônios, ela forma aglomerados que danificam as células. Esses depósitos anormais de alfa-sinucleína foram identificados pela primeira vez pelo neurologista alemão Dr. Friederich Lewy, em 1912, de onde vem o nome “corpos de Lewy” dados para esse achado.

Os Corpos de Lewy aparecem no tecido cerebral ao nível microscópico na forma de acúmulo arredondados dentro do citoplasma dos neurônios. Quando os corpos de Lewy se acumulam no tronco do cérebro, temos os sintomas motores da doença de Parkinson. Porém, quando eles atingem os neurônios do córtex cerebral, aparecem os sintomas cognitivos descritos na demência de Parkinson e na Demência com Corpos do Lewy.

O acúmulo anormal da alfa-sinucleína é a base dos Corpos de Lewy vistos ao microscópio

A Doença de Parkinson também causa problemas cognitivos

A doença de Parkinson é mais conhecida pelos sintomas motores. Eles se manifestam devido à destruição das células localizadas na substância negra do mesencéfalo. Essas células são responsáveis pelo fornecimento da dopamina para os gânglios da base. Quando falta dopamina, os sintomas motores se revelam.

Sintomas Motores da Doença de Parkinson

Embora as pessoas lembrem principalmente do tremor quando pensam na doença de Parkinson, existem outras alterações motoras até mais importantes para o diagnóstico.

Os sintomas motores da Doença de Parkinson são:

  • Rigidez: apresenta-se como uma resistência na movimentação passiva das articulações. Ao mover os membros, o médico procura identificar um aumento do tônus muscular, do tipo hipertonia plástica. Em alguns casos, observa-se o fenômeno da “roda dentada” em que o membro vai cedendo com pequenos trancos. A rigidez do Parkinson também é chamada de rigidez do boneco de cera, pela sensação que se tem ao exame neurológico.
  • Bradicinesia: é o termo técnico para a lentidão de movimentos que caracteriza o Parkinson. Ela se observa pela diminuição da expressão facial, pela diminuição do piscamento ocular, pela lentidão da marcha e dos movimentos espontâneos. Ao exame neurológico, pedimos para o paciente fazer movimentos repetidos rapidamente, tal como abrir e fechar as mãos, e observamos uma velocidade baixa e a diminuição progressiva da amplitude.
  • Tremor: o tremor de repouso é o padrão típico da doença de Parkinson. As oscilações são involuntárias, rítmicas, em frequência que varia entre 4 a 8 ciclos por segundo. Geralmente, afeta primeiro as mãos e os pés, de modo assimétrico. Mas pode progredir para afetar a cabeça e até o corpo inteiro.
  • Instabilidade Postural: é o sintoma de perda de equilíbrio, com aumento do risco de quedas. No início, a instabilidade postural se evidencia mais quando o paciente tenta fazer uma meia-volta ou mudar de direção. Nos casos avançados, o paciente não consegue ficar de pé sem apoio. No consultório, pesquisamos a instabilidade postural pedindo para o paciente andar sobre uma linha e por meio de um teste, chamado pull back.

Sintomas não-motores da doença de Parkinson

Além dos conhecidos sintomas motores da doença de Parkinson, existem também sintomas não-motores que podem se apresentar muitos anos antes das primeiras queixas motoras. A causa dos sintomas não-motores é a mesma. Ou seja, o acúmulo da alfa-sinucleína causa danos aos neurônios que deixam de funcionar adequadamente. Todavia, no caso dos sintomas não-motores eles são expressão da lesão de áreas do sistema nervoso responsáveis por algumas funções específicas.

Vejamos os sintomas não-motores do Parkinson:

  • Perda do olfato: em termos técnicos é conhecida como hiposmia. A perda de olfato decorre do acúmulo da alfa-sinucleína nos bulbos olfatórios. Essas estruturas estão entre as primeiras a serem acometidas pelos Corpos de Lewy. É possível observar perda total ou diminuição do olfato até 6 anos antes dos primeiros sintomas motores do Parkinson.
  • Intestino preso: a obstipação é também um sintoma frequente. Ela reflete o comprometimento do bulbo encefálico e do intestino pela doença de Parkinson. Também pode aparecer vários anos antes dos sintomas motores.
  • Disautonomia: as alterações do sistema nervoso autonômico no Parkinson devem-se ao comprometimento do bulbo e da medula torácica. Os sintomas são queda de pressão (hipotensão ortostática), desmaios (síncope), alterações da sudorese e dos batimentos cardíacos. A desnervação autonômica pode ser pesquisada com exames específicos que fogem do assunto desse texto. Raramente, a disautonomia pode ser o único sintoma inicial quando então é conhecida por “Falência Autonômica Pura” ou Síndrome de Bradbury-Eggleston.
  • Depressão: os sintomas depressivos são muito frequentes na doença de Parkinson e não são apenas o resultado do estresse emocional. Podemos considerá-los como uma repercussão da doença no mesencéfalo e no cérebro. A atividade de neurotransmissores como serotonina e noradrenalina está comprometida nessa doença, ocasionando tristeza, apatia, desânimo e falta de prazer. Cerca de 50% dos pacientes com Parkinson apresentam sintomas depressivos e devem ser medicados de acordo. A psicoterapia sozinha não funciona nesses casos.
  • Problemas de sono: a alteração de sono mais característica das doenças da sinucleína é o Transtorno Comportamental do Sono REM. Nele o paciente se movimenta durante o sonho, em vez do normal que é ficar com os músculos paralisados. Desse modo, se o paciente sonha que está correndo, ele vai correr na cama. Com frequência, sonhos violentos fazem o paciente se movimentar como em uma luta. O risco é atingir o cônjuge que compartilha a cama ou cair do leito.

Declínio Cognitivo do Parkinson

Além dos sintomas motores e não-motores que vimos acima, os pacientes com doença de Parkinson podem desenvolver uma perda das funções cognitivas. Quando essa perda é importante a ponto de afetar as capacidades para a vida diária, chamamos a isso de Demência na Doença de Parkinson.

Em geral as alterações cognitivas aparecem com a progressão da doença. Após 10 anos de diagnóstico de Parkinson, mais de 85% dos pacientes terão algum problema cognitivo associado à patologia. Entretanto, algumas pessoas manifestam problemas da cognição já nos primeiros anos.

A fase inicial da demência de Parkinson é chamada de Comprometimento Cognitivo Leve associado ao Parkinson. Nessa etapa pode haver dificuldade de atenção, de memória, de concentração ou lentificação do raciocínio, mas o paciente ainda é capaz de exercer as atividades da vida de forma independente.

À medida que a alfa-sinucleína se espalha por todo o cérebro, os sintomas cognitivos e comportamentais se intensificam. É possível que surjam sintomas comportamentais, como apatia ou depressão. O paciente perde a independência para tarefas cotidianas como manter a conta do banco ou ficar em dia com as atualidades.

Os sintomas da demência de Parkinson instalada são:

  • Disfunção Executiva: problemas para organizar atividades, dificuldade de raciocínio, de conceituação e de execução de tarefas complexas.
  • Desatenção: dificuldade para manter a concentração ou mudar a atenção de um objeto a outro conforme a necessidade.
  • Flutuação do Alerta: o paciente tem dias melhores e dias piores, tem horas melhores e horas piores. Quando está mais alerta, parece mais presente no momento. Em outras ocasiões aparenta apatia, alienação ou sonolência.
  • Dificuldades visuoespaciais: o paciente com demência na doença de Parkinson pode ter dificuldade de perceber as dimensões e os espaços. Pode ter dificuldade, por exemplo,  para manobrar um automóvel já nas fases iniciais.
  • Alucinações visuais: são muito frequentes na demência do Parkinson. Tendem a ser complexas e estruturadas. O paciente pode ver crianças ou pequenos animais em casa. Também pode ter a impressão de vultos ou pessoas caminhando pela residência.
  • Outros sintomas: na evolução da demência de Parkinson, aparecem também problemas de memória, apraxia, discalculia, agnosias, desorientação no tempo etc.

Demência com Corpos de Lewy difusos

A Demência com Corpos de Lewy Difusos é uma das formas de apresentação das sinucleinopatias. Enquanto no Parkinson os Corpos de Lewy se acumulam primeiro no tronco do cérebro para tardiamente se espalharem pelo córtex, na Demência com Corpos de Lewy as alterações acontecem em praticamente todo o cérebro desde o início.

De fato, os sintomas cognitivos e comportamentais na demência com Corpos de Lewy podem aparecer até um ano antes dos sintomas motores. Isso porque o acúmulo da alfa-sinucleína afeta o córtex cerebral já no início da doença e quando atinge o tronco do cérebro, leva aos sintomas semelhantes ao Parkinson.

Existe uma tendência atual para considerar a Demência na Doença de Parkinson e a Demência com Corpos de Lewy Difusos como variações de apresentação de uma única doença. Afinal, todos esses problemas são causados pelo acúmulo da alfa-sinucleína dentro dos neurônios. A diferença no quadro clínico deve-se à maneira como os corpos de Lewy se disseminam pelo cérebro. Na verdade, se pegarmos o cérebro de pacientes com qualquer uma das duas doenças em estágios avançados, veremos uma atrofia cerebral e o acúmulo dos corpos de Lewy por todo o cérebro.

Embora essa não seja ainda a prática, desde 2015 uma nova classificação pela Movement Disorders Society permite que se faça o diagnóstico de doença de Parkinson, independente de o paciente ter ou não comprometimento cognitivo associado. Antes disso, a regra de um ano previa que caso os sintomas motores precedessem os cognitivos por menos de 12 meses, a apresentação clínica seria chamada de Demência com Corpos de Lewy. Ainda de acordo com essa nova classificação, um paciente com quadro demencial e parkinsonismo pode ser diagnosticado simplesmente como “Doença de Parkinson – subtipo demência com Corpos de Lewy”.

O importante é entender que o problema é o acúmulo dos corpos de Lewy e que os sintomas dependem apenas da área do cérebro que sofre os danos. Lembremos, novamente, que os Corpos de Lewy são acúmulos de alfa-sinucleína visíveis nas células com o microscópio. Os Corpos de Lewy ou a sinucleína não são visíveis ao olho nu. Um novo exame de PET está em desenvolvimento para identificar os acúmulos de alfa-sinucleína, o que permitirá detectar os Corpos de Lewy em vivos.

Clinicamente, ainda seguimos os critérios diagnósticos tradicionais para identificar a Demência com Corpos de Lewy. São eles:

Critério obrigatório:

  • Demência: o declínio cognitivo é predominante na atenção, nas capacidades visuoespaciais e nas funções executivas. Dificuldade de memória tendem a aparecer com a evolução.

Sintomas cardinais:

  • Flutuação do Alerta: variação do nível de alerta e da atenção causa momentos melhores e piores das capacidades mentais.
  • Parkinsonismo: rigidez, lentidão de movimentos e tremor de repouso (um ou mais desses 3 sintomas.
  • Alucinações visuais: alucinações visuais complexas, conforme descrito
  • Transtorno Comportamental do Sono REM: o paciente se agita durante o sonho. Pode até cair da cama ou machucar alguém, dependendo da gravidade

A presença da demência e mais dois sintomas cardinais faz o diagnóstico de Demência com Corpos de Lewy provável. Se apenas um sintoma cardinal está presente, dentro do contexto esperado para a patologia, denomina-se Demência com Corpos de Lewy possível.

Além dos sintomas cardinais, existem outros sintomas considerados como reforçadores do diagnóstico.

Enumeramos os sintomas de suporte abaixo:

  • Sensibilidade aumentada a agentes antipsicóticos (neurolépticos)
  • Instabilidade postural
  • Quedas repetidas
  • Síncopes (desmaios)
  • Disfunção autonômica
  • Sonolência diurna
  • Perda do olfato
  • Alucinações não-visuais (auditivas, táteis ou gustatórias)
  • Delírios
  • Apatia, ansiedade e depressão

Tratamento das Demências com Corpos de Lewy

Vimos que o acúmulo anormal de alfa-sinucleína forma os chamados Corpos de Lewy e que algumas doenças são consequência dessa alteração do cérebro. As patologias relacionadas à sinucleína são as sinucleinopatias. As duas sinucleinopatias mais frequentes são o Parkinson e a Demência com Corpos de Lewy.

Atualmente, a literatura médica em inglês cita dois termos que podem gerar confusão e que não tem uma tradução fácil. As “Lewy Body Dementias” são as demências relacionadas aos corpos de Lewy, independente que se for a demência das fases finais de Parkinson ou se o quadro cognitivo está presente desde o início. Já o termo “Dementia with Lewy Bodies” se refere ao quadro que aqui chamamos de Demência com Corpos de Lewy difusos. Para conhecer mais sobre essas diferenciações, recomendo o site da Lewy Body Dementia Association.

De qualquer modo, a abordagem para o tratamento é semelhante na Demência do Parkinson e na Demência com Corpos de Lewy, considerando que ambas são formas de neurodegeneração causada pela sinucleína. Sabemos que não existe um medicamento que seja capaz de impedir ou retardar a evolução da degeneração cerebral, muito menos que possa reverter a condição. O objetivo do tratamento farmacológico é controlar os sintomas o quanto possível e melhorar a qualidade de vida do paciente e seus familiares.

O primeiro medicamento utilizado é a rivastigmina. Ela pode melhorar tanto a cognição quanto o comportamento. Embora a donepezila e a galantamina também funcionem aumentando a quantidade de acetilcolina no cérebro, somente a rivastigmina tem estudos comprovando sua eficácia na Demência com Corpos de Lewy.

O manejo dos sintomas de alucinação e delírios requer cuidados redobrados, considerando que os neurolépticos habitualmente utilizados para esse controle podem agravar sobremaneira os sintomas parkinsonianos nesses pacientes. Mesmo doses baixas de neurolépticos podem intensificar a rigidez e aumentar o risco de queda.

Em outros países, existe a opção da pimavanserina para controle dos sintomas psicóticos nesse grupo de doenças. Contudo é uma medicação muito cara e seu custo é proibitivo para importação na maioria dos casos. A vantagem dessa nova substância é que ela não bloqueia a dopamina como os neurlépticos. Sua ação se faz através de receptores específicos de serotonina. No Brasil, recorremos aos neurolépticos mais modernos, sempre com muita parcimônia e explicando aos familiares os riscos e benefícios da medicação.

Além dos tratamentos medicamentosos, recomendamos também abordagens não-farmacólógicas. A fisioterapia ajuda a manter a massa muscular e melhora o equilíbrio. A fonoterapia pode auxiliar em questões de linguagem e, principalmente, nos problemas da deglutição. Terapias variadas são cada vez mais oferecidas em clínicas de idosos e creches (day care). Elas incluem arteterapia, musicoterapia, dança, jogos, integração social, música e outras atividades que aumentam o bem-estar do paciente, além de envolvê-lo em uma rotina estruturada.

Conclusão

É importante reconhecer a Demência com Corpos de Lewy e a Demência relacionada ao Parkinson. Infelizmente, os estudos mostram que a maior parte dos pacientes demora para receber um diagnóstico e muitas vezes tem um diagnóstico errôneo de doença de Alzheimer. Considerando que as particularidades dessas doenças requerem cuidados especiais no tratamento, entendemos que é preciso aumentar a consciência sobre a existência do problema para que pacientes e familiares recebam os melhores cuidados.

Roger Taussig Soares
Neurologista – São Paulo
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Dr. Roger Soares é médico neurologista, nascido em 1968 no Paraná. Mora em São Paulo há mais de 30 anos e é médico credenciado dos maiores hospitais da capital paulista. Atualmente se dedica exclusivamente ao tratamento de seus pacientes particulares no consultório no Tatuapé. Gosta de escrever, aprender e provocar reflexões. "Conhecimento verdadeiro é saber a extensão da própria ignorância." Confúcio

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