O plantio é opcional, mas a colheita é obrigatória

Vejo pouca força de vontade em grande parte dos jovens. Talvez pela comodidade da vida na era eletrônica, qualquer pequeno esforço é considerado um trabalho colossal por quem não está acostumado a pegar no pesado.

Millenials e geração Y

Temos uma geração de pessoas que acham que podem produzir pouco e usufruir muito. Essa é a chamada Geração Y ou Millenials. Pessoas que nasceram na década de 1990 e conviveram com uma grande revolução tecnológica.

Foi a primeira geração que cresceu com celulares, internet, tablets, computadores, redes sociais, videogames e mais uma enxurrada de estímulos virtuais. Foram acostumados a ter recompensa imediata e aprenderam a só fazer as coisas que lhes dão prazer.

Afastados do trabalho braçal, consideram todo esforço físico indigno. Produzem muito pouco e exigem usufruir muito. Tem altas ambições, mas quase nenhuma gana de ir à luta para conquistar seus desejos. Querem altos cargos e altos empregos, mas são menos qualificados que os da geração anterior.

Acostumados com o mito da multitarefa, pensam que fazem várias coisas ao mesmo tempo. Mas na verdade, não conseguem se focar em nada por longo período. Como não são capazes de dedicar sua energia continuadamente no mesmo objeto, não cultivam algo pelo tempo necessário para colher bons frutos. Deixam tudo pela metade.

Acreditam que estão conectados com o universo pela internet e que conhecem um milhão de coisas. Entretanto, sabem de tudo em um nível muito superficial. Não dominam nenhum assunto porque não se debruçam sobre os livros. Ler é algo tedioso para eles. Não percebem que um página de livro pode conter mais informações que 10 minutos de youtube.

Uma relação desequilibrada com o mundo

Pessoas com esse perfil têm uma relação desequilibrada com o mundo. Dentro de casa não respeitam os pais, fora de casa se acham no topo da hierarquia. Com frequência desprezam aqueles que trabalham em funções subalternas. Acham-se bom demais para serem empregados.

A noção de carreira e de construção de uma história de vida lhes escapa totalmente. Não conseguem compreender que a maioria dos vencedores começaram por baixo. Não se dispõem a fazer o mesmo. Querem ser chefes e ter altos salários, contudo não têm experiência de vida.

Também não aceitam regras. Não querem ser limitados em seus gostos e caprichos. Aceitar regras seria reconhecer que há quem manda e quem obedece; eles não pensam assim. Sentem-se com direitos de berço porque aprenderam a ganhar o que queriam apenas clicando em botões.

Suas relações afetivas são superficiais. Cercam-se de amigos igualmente desajustados e descontentes com o mundo. Compartilham suas frustrações e se apóiam mutuamente, incompreendidos que são. Na verdade, buscam apenas alguém que valide seu modo de ser voltado para o próprio umbigo. Jamais procuram conselhos e apoio de vencedores porque sabem que não estarão dispostos a seguir a prescrição do trabalho como remédio.

O sucesso profissional é algo distante porque cresceram com a ilusão de que as pessoas devem trabalhar naquilo que amam. Não pararam para pensar que se trabalho fosse tão bom, ninguém era pago para fazê-lo. A recompensa financeira vem justamente pelo esforço que fazemos para além do nível do prazer. Por mais que alguém goste de sua profissão, não é todo dia que existe deleite em se aplicar em 8 ou 12 horas de esforço.

As consequências da inércia

Enquanto se questionam porque a vida não dá certo, o tempo está passando. O relógio não freia para ver as crises existenciais de ninguém. A inação é também uma forma de ação e a inércia tem consequências brutais. Um dia chega o inverno e a cigarra que não trabalhou tem que lidar com o karma de não fazer nada. O plantio é opcional, mas a colheita é obrigatória.

O duro é ver que grandes potenciais são desperdiçados por esses jovens que passam décadas indecisos, imóveis e insatisfeitos. Mal acostumados que foram com o prazer instantâneo do videogame, as recompensas da vida real lhes parecem sempre insuficientes. O bife é sempre muito duro, a internet do hotel é uma porcaria e os encontros com a família são insuportáveis.

Sempre insatisfeitos, parecem incomodados com tudo e preferem ficar no quarto, estrangeiros que são na casa dos pais. Limpar a louça, nem pensar! Por tudo isso, não desenvolvem um senso de gratidão. Jamais vão sorrir pelas pequenas coisas que a vida oferece àqueles que sabem dizer obrigado.

A falta de agradecimento impede o desenvolvimento da felicidade. O descontentamento é regra para quem não sabe apreciar o que a existência lhe oferece. Quem não sabe agradecer enxerga o copo sempre meio vazio.

Esperando o despertar da bela adormecida

A apatia desses adolescentes ou jovens adultos diante da vida causa desespero nos pais. A angústia de ver grandes capacidades escoando pelo ralo deixa os pais sem saber o que fazer.

Quando os pais tentam estimulá-los, eles reagem com resistência aos conselhos. Não existe encorajamento suficiente que os faça sair da indolência. Se os pais insistem e cobram, fecham-se ainda mais e o relacionamento se torna estressante. Com certa frequência entram em depressão pela carga que acham que os pais lhes impõem. Mas não saem do lugar.

Talvez não seja mesmo possível ajudar quem não quer ser ajudado. Menos ainda é possível mudar quem não está disposto a se reinventar. É preciso esperar pelo desejo interno e muitas vezes ele só vem quando o sofrimento bate à porta.

Depois de tentar todas as formas de carinho, compreensão e ajuda, é preciso dar uma chance para uma nova abordagem. Vale a pena tentar um pouco de tough love. No caso, basta deixar que colham os frutos de seus próprios atos. É preciso deixar de correr atrás, limpando a sujeira que fazem e resolvendo os problemas que criam.

É preciso que entendam que atos têm consequências e o preço da felicidade é ser responsável diante do mundo. Com o tempo deverão enxergar que justificativas rotas ou desculpas esfarrapadas não os eximem de encarar o resultado de suas ações. Quem sabe o sofrimento seja um melhor professor que o amor…

Questão de geração ou de personalidade?

A sociologia e a psicologia tentam explicar esse fenômeno observado nos jovens do mundo inteiro. Apesar de todas as críticas a respeito das desigualdades sociais, o fato é que para grande parte das pessoas a vida ficou mais cômoda e o acesso digital abriu as portas para um outro tipo de existência.

De fato, pessoas que moram em regiões rurais e dependem bastante do trabalho braçal e do contato com o mundo concreto não sentem tanto esse fenômeno de geração Y.

Talvez o problema não seja apenas o distanciamento da realidade prática, mas uma predisposição natural do ser humano. Biologicamente somos programados para evitar a dor e procurar o prazer. Quando não há dor e o prazer está continuamente disponível, a motivação se extingue. Para a maior parte das pessoas, se não houver uma demanda do meio ambiente que as impulsione, elas não terão a disposição ou iniciativa interna de se transformar, crescer e melhorar.

Por fim, além das questões relacionadas ao contexto em que vivemos, existem peculiaridades que são inatas. Existe uma variedade de personalidades em todos os tempos e épocas. A personalidade é algo que nasce com a pessoa e o caráter é algo que se desenvolve e pode, até certa medida, modificar, atenuar ou acentuar os traços da primeira.

Como sociedade temos a esperança de que todos caminhem e evoluam. Queremos criar condições e oportunidades para que todos floresçam e se desenvolvam no total das suas potencialidades. Contudo, a liberdade pressupõe que cada um deve escolher o modo como quer viver. Devemos respeitar até o desejo de quem não tem desejos ou ambições na vida.

Pensando em tudo isso, lembro-me do conselho de meus pais que me alertavam para escolher bem minhas companhias. Minha avó, nordestina de língua afiada não economizava palavras: “Quem anda com porcos, come farelo”, dizia. Talvez haja muita explicação para toda essa perturbação de comportamento, mas talvez essas pessoas sejam apenas aquelas que meus pais diziam para ficar longe.

Roger Taussig Soares

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Dr. Roger Soares é médico neurologista, nascido em 1968 no Paraná. Mora em São Paulo há mais de 30 anos e é médico credenciado dos maiores hospitais da capital paulista. Atualmente se dedica exclusivamente ao tratamento de seus pacientes particulares no consultório no Tatuapé. Gosta de escrever, aprender e provocar reflexões. "Conhecimento verdadeiro é saber a extensão da própria ignorância." Confúcio

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