Pedagogia e TDAH – prazer e recompensa na aprendizagem

Atualizado pela última vez em 04/01/2024

Sentar a manhã inteira em uma carteira escolar é difícil para qualquer um, ainda mais com tanta coisa para fazer no mundo físico e na realidade virtual das redes sociais. Para quem tem déficit de atenção e hiperatividade, ficar parado no lugar é muito pior! A estrutura da escola está defasada e a tecnologia avançando rápido demais. Por isso muitas escolas procuram se atualizar e gerar interesse nos alunos. Crianças com TDAH são como o mundo atual: agitadas, dinâmicas e cobram respostas.

Existe um sério debate em torno da importância do meio para o desenvolvimento do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade(TDAH). Alguns atribuem ao excesso de estímulos a causa de as crianças serem tão inquietas. Há quem diga, por outro lado, que essas pessoas inquietas, saltitantes e desatentas seriam uma nova geração, um novo padrão humano que deverá ainda prevalecer. Até explicações espirituais são aventadas, como as crianças indigo e de cristal que não se conformam com as regras do mundo.

Em realidade, os métodos pedagógicos não têm conseguido acompanhar o desenvolvimento tecnológico. Uma lousa eletrônica ainda é um lousa; por outro lado, as crianças demandam uma experiência imersiva no aprendizado. É fácil verificar a discrepância de ritmo entre uma aula de ensino médio e a velocidade com que as informações se desenrolam no Instagram, Twitter ou no Facebook. Curiosamente, apesar das deficiências acadêmicas, as crianças hiperativas se dão muito bem nos videogames e no uso dos variados gadgets, criando videos para o YouTube, postando em Blogs ou no Tumblr, Flickr e quetais.

Sem muita discussão, podemos concordar que a escola é lenta e a internet é rápida. Talvez uma questão de largura de banda. O professor é pouco interessante; o monitor do PC, excitante. O quadro negro monótono, monotônico e monocromático; a web é múltipla, hipertextual, polissêmica. Os defensores da escola garantem que os jovens não se aprofundam nos conhecimentos, são insatisfeitos e irreverentes. Sabem de tudo um pouco, mas de quase nada de verdade. A garotada dá de ombros e programa a próxima balada.

Todas essas discussões têm razão de ser. O que poucos entendem é que a dificuldade de quem tem TDAH é bastante “hardwired”, quer dizer, tem fundamentos definidos na circuitaria cerebral alterada e não apenas em conflitos de gerações. Um dos distúrbios de conexões no sistema nervoso central relacionado à insatisfatoriedade desses jovens está localizado nos sistemas de prazer e recompensa. Nas pessoas com hiperatividade e déficit de atenção esses mecanismos não são ativados facilmente e requerem estímulos mais fortes, mais frequentes e mais variados do que para as pessoas normais.

O sistema que envolve o prazer e recompensa é bastante básico e filogeneticamente antigo. É um mecanismo que reforça os comportamentos que são vantajosos para a sobrevivência do indivíduo e da espécie. Um exemplo é o do animal à procura de comida. Um chimpanzé que consegue quebrar uma fruta com uma pedra tem como recompensa a possibilidade de comer a polpa. O saciar da fome gera um estado de relaxamento e bem-estar que traduzimos como prazer. Consequentemente, o comportamento de buscar por aquela fruta será reforçado e toda vez que se repetir, produzirá efeito semelhante, confirmando o ciclo de recompensa e prazer.

Esse sistema está presente em vários âmbitos, inclusive no comportamento sexual. Ganhamos no final da relação, se tudo der certo, um troféu chamado orgasmo. Aliás, somente a espécie humana, os bonobos e possivelmente os golfinhos engajam em atividade sexual apenas pelo prazer que ela proporciona. Os demais o fazem para procriar, embora pareça existir também uma recompensa prazeirosa na cópula entre mamíferos de espécies menos evoluídas. Isso demonstra que a questão do prazer tem papel relevante no processo evolucionário e que, contrariamente a algumas suposições filosóficas, a emoção não é substituída pela razão com o progresso humano. Na verdade, a emoção é reforçada tanto quanto a razão. As diversas formas de arte confirmam essa nossa característica.

No atual estágio de desenvolvimento da raça humana, o alcance do prazer e da recompensa é algo bem mais complexo em termos de habilidades a serem adquiridas para a sobrevivência. Não temos mais a possibilidade de sair para pescar ou caçar e voltar para casa com o prêmio e saborear nossa conquista sobre o meio hostil. Nas sociedades primitivas isso acontecia por volta da entrada na puberdade, os ritos de passagem marcavam o momento em que os indivíduos se tornavam capazes de exercer a maior parte das atividades da vida adulta, do cultivo da terra à caça e aos jogos sexuais.

Como no filme “Os Deuses devem estar loucos” denuncia, precisamos de no mínimo 20 anos de preparo na vida e mais de 11 anos de estudos para nos candidatarmos aos postos de trabalho mais elementares. Para as atividades de mais alta relevância são necessários ainda 5 ou 6 anos de faculdade e talvez mais 3 de especializações, seguidos de uma vida inteira de educação continuada. Quem quer ser um professor de universidade, um cientista ou profissional liberal pode contar com anos de esforços e estudos para colher os frutos do trabalho somente muitas décadas depois. É muita dedicação e insegurança para um clímax nem sempre atingido.

As pessoas com Déficit de Atenção têm uma alteração no sistema de prazer e recompensa. Por esse motivo, tendem a ser imediatistas e, de certo modo, hedonistas. Precisam fazer coisas de seu maior interesse para se sentirem motivados e dependem de recompensas entregues prontamente para continuarem envolvidas com aquela atividade. Não conseguem fazer planos de longo prazo porque não se imaginam despendendo grande energia por um largo tempo sem uma contrapartida imediata. Estudam apenas no segundo semestre pois não se sentem envolvidos o suficiente para fazê-lo na primeira etapa do ano, afinal o prazer de passar de ano está muito distante para ser visto a olhos nus. Acrescente-se ainda uma excitação a mais que é o jogo do passa-reprova dos últimos períodos.

Enquanto a escola continua seguindo o modelo linear de ensino no qual a recompensa pela dedicação e esforço será alcançada apenas em um futuro indivisável para a mente dos jovens, a disputa pela atenção do estudante será certamente ganha pelo computador, pelo celular ou tablet. E muitos ainda não entendem porque Wii, X-Box e Playstation atraem tanto essas crianças.

A receita de sucesso do videogame é simples. São emoções que remontam simbolicamente aos perigos da vida selvagem e as recompensas são entregues instantaneamente a cada luta vencida, a cada tiro dado ou cada novo level atingido. Isso é tudo que alguém com TDAH quer. Prazer e recompensa frequentes, intensos e variados. É também o que os professores deveriam oferecer para conquistar esses alunos, o que é penoso só de pensar em salas com mais de 15 estudantes.

Como educadores e cuidadores de pacientes com essa condição, cabe-nos alertá-los para essa tendência e ensinar os pacientes a serem mais resilientes, no sentido de suportarem melhor uma certa carga de esforço para alcançar resultados que não parecem excitantes por estarem longe, mas seguramente são mais duradouros e relevantes para suas vidas a longo prazo. Enquanto eles tentam melhorar a visão de longo alcance, podemos ajudar na motivação do agora por meio de feedbacks frequentes e diferentes o quanto possível para que não se cansem também de ouvir os nossos “parabéns”.

Roger Taussig Soares
Neurologista SP
crm 69239

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Dr. Roger Soares é médico neurologista, nascido em 1968 no Paraná. Mora em São Paulo há mais de 30 anos e é médico credenciado dos maiores hospitais da capital paulista. Atualmente se dedica exclusivamente ao tratamento de seus pacientes particulares no consultório no Tatuapé. Gosta de escrever, aprender e provocar reflexões. "Conhecimento verdadeiro é saber a extensão da própria ignorância." Confúcio

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