Estresse na adolescência

Atualizado pela última vez em 04/01/2024

Atendo diariamente a jovens(e seus pais) que chegam ao consultório preocupados com seu desempenho escolar e como conseguirão vencer a concorrência para garantir sua vaga em uma boa faculdade. Nesse mundo de alta performance, nos esportes ou nos vestibulares, a busca por desempenho aumenta também o risco de lesões. Assim, muitos garotos e garotas desenvolvem problemas como estresse, ansiedade e até burnout pelo ritmo de vida adotado. Como lidar com a competição escolar e a necessidade de qualificação para o mercado sem sacrificar a qualidade de vida continua sendo um quebra-cabeça de difícil solução.

Os especialistas em educação estão preocupados porque sabem que as crianças não são máquinas de aprender para serem treinadas desde pequenas. Entretanto, na expectativa de adquirir uma vantagem competitiva, meninos e meninas frequentam escolas altamente exigentes. Por exemplo, fazem escolas bilingues mesmo sem ter ascendência familiar estrangeira, participam de workshops de empreendedorismo para jovens, fazem aulas de reforço para tirar notas A+, fazem judô, balé, natação, violão, piano, alemão e, se der tempo, uma atividade voluntária para terem também a vantagem do marketing social.

As escolas, por sua vez, não deixam por menos e sobrecarregam os alunos com até 15 disciplinas por ano. É claro que no mundo atual, com a imensa gama de profissões e áreas de conhecimento a serem ensinadas, transmitir o que é relevante por meio de um currículo adequado é um desafio. Por outro lado, o antiquado método de aulas expositivas não favorece o aprendizado. Assim, as matérias são empilhadas umas sobre as outras no cérebro do aluno ao final de cada dia.

Acredito que vivemos uma época de impasses em torno da questão educacional. Os pedagogos e professores reconhecem há bastante tempo que aprender não é decorar e repetir. O certo é compreender e estabelecer relações significativas entre os elementos do conhecimento.

Os pesquisadores em educação vêm lutando para que os alunos não sejam mais vistos como vasos, dentro dos quais se pode despejar uma quantidade de conteúdos. Todavia, os métodos de avaliação utilizados em vestibulares e outros exames de qualificação baseiam-se justamente na medição escalar de conteúdos armazenados, como se as pessoas fossem apenas bancos de dados geradores de respostas para provas.

As escolas de vanguarda procuram desenvolver currículos que se desenvolvam verticalmente ao longo dos anos, mas também transversalmente de modo inter e transdisciplinar. Têm sucesso em estimular os alunos por meio de projetos que integram várias disciplinas ou ensinar na forma de módulos significativos.

O problema é que quando chega perto do vestibular, a concorrência entre estabelecimentos de ensino dita as normas do jogo e o objetivo não é apenas decorar as matérias, mas sim responder corretamente as perguntas de múltipla escolha. Por isso tantos macetes de cursinhos e as decorebas de questões dos vestibulares passados. Aulas de manhã e de tarde, estudo à noite, simulados e revisões aos sábados e domingos.

A função da escola deveria ser desenvolver habilidades e competências intelectuais que levem, em última instância, à autonomia no processo do aprendizado e uso racional dos conteúdos. O aluno que sai do ensino médio deve ter capacidade linguística para ler e interpretar textos, escrever corretamente e argumentar com lucidez. Do mesmo modo, precisa ter desenvolvido o raciocínio lógico no sentido da resolução de problemas inteiramente novos e de questões referentes a conteúdos aprendidos.

Vejo isso na minha prática profissional. Tenho que ser capaz de estudar e aprender sozinho sobre novas doenças e atualizar as formas de tratar aquelas que já conheço. Para tanto, devo saber selecionar uma bibliografia, compreender os textos e extrair o que é relevante. Isso acontece em outras áreas nas quais se pode adquirir conhecimento diretamente de materiais teóricas, ao contrário dos ofícios em que a habilidade de um é passada para o outro na prática.

Os professores e pedagogos sabem de tudo isso, mas colocar em prática diante da pressão da competição no mercado não é fácil.

Além dessas habilidades e competências, cabe à escola também apresentar e introduzir o aluno aos vários campos do saber nas áreas da matemática, das ciências naturais, das ciências humanas, das artes, das técnicas e das línguas para que ele possa escolher que profissão seguir e ainda aprender a se relacionar com as comunidades que se utilizam desses saberes em seus fazeres diários.

É claro que com o corpo de conhecimento humano crescendo exponencialmente nas últimas décadas por meio de pesquisas e produção intelectual, torna-se uma tarefa hercúlea apresentar mesmo as bases mais simples do conhecimento global na escola. Mesmo assim, utilizando uma escala adequada, é possível mapear e instrumentalizar os jovens no sentido de poderem passear por esses campos do saber, de acordo com seus interesses ou necessidades.

O cérebro humano é capaz de armazenar uma quantidade incrível de informações, especialmente nas primeiras duas ou três décadas de vida. Portanto, considero natural que os alunos sejam expostos a uma grande quantidade de conteúdos. Mas é importante que saibam fazer relações e que sejam capazes de reconstruir o conhecimento com suas próprias linguagens para tomarem posse efetiva do mesmo.

São as informações soltas, sem contextualização, que se perdem por falta de ancoramento com o todo, depois de realizadas as provas e vestibulares. Esses conteúdos deveriam ser revistos e atualizados, ganhando maior significância, consistência e coerência. Quanto mais bem amarrado e entendido em seus fundamentos for um conhecimento, maior a chance de que seja levado e utilizado no resto da vida.

Do ponto de vista neurológico, essa amarração tem a ver com a construção do que denominamos “memória semântica” na qual o conteúdos se agregam por proximidade de significado e não por categorias. Por exemplo: no nosso cérebro, a memória de um gato está mais perto da memória de um cachorro do que da memória de um lince. Embora o lince e o gato sejam ambos felinos e muito próximos do ponto de vista biológico, na nossa vida diária a relação entre o gato e o cachorro é muito mais estreita por motivos óbvios. No caso, uma memória se amarra à outra e ambas se mantêm fixas.

É claro que muitas coisas que aprendemos na escola não serão utilizadas na vida profissional. Não dá para ser diferente. Afinal, ninguém será ao mesmo tempo biólogo, químico, astrofísico, médico, historiador, geógrafo e assim por diante.

Ao entrar na faculdade optamos por uma das grandes áreas do saber e abdicamos das outras que não nos atraem com tanta intensidade. Todavia, os conteúdos bem assimilados não serão perdidos, mesmo que não sejam utilizados na sua forma original. O que acontece é que o cérebro forma redes neurais que permanecem e suas vias podem ser utilizadas para a resolução de outros problemas por meio de analogias.

Normalmente, quando estamos diante de um problema tentamos resolvê-lo utilizando uma forma exemplar de resolução que já usamos no passado. Uma boa forma de resolução de um problema é denominada paradigma e pode ser aplicada em outras situações. Uma vez aprendido um paradigma, ele poderá ser aplicado em outras situações e em outras áreas do conhecimento e testado em sua eficácia. Somente quando esgotamos as possibilidades de um paradigma é que passamos a outro.

Dessa maneira, nossos cérebros aprendem os conhecimentos relativos a um problema específico e também a maneira de resolver esse problema. Mesmo que no futuro aqueles conhecimentos não sejam mais usados, o modo de resolução de problema fica armazenado e pode ser aplicado em situações novas. Por isso, mesmo que esqueçamos muitas coisas que estudamos na escola, levamos como herança o relacionamento que tivemos com aqueles conteúdos, as formas de abordagem, os métodos de pesquisa e tudo o mais que nos servirá no momento oportuno.

O problema está posto, mas se encontra muito longe de uma solução que consiga harmonizar o desafio de aprender e se preparar para a vida com o direito a uma vida plena com bem-estar social, psicológico e espiritual. Não tenho uma fórmula pronta. Penso que devemos no mínimo saber equilibrar trabalho/estudo com lazer e amenizar a cobrança sobre os filhos com momentos de afeto incondicional. Queremos o melhor para nossas crianças e ajudá-los a construir uma vida feliz, compartilhando experiências e enxergando com olhar crítico o sistema é fundamental para aperfeiçoar nosso modo de ser.

Roger Taussig Soares
Neurologista SP
crm 69239

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roger.soares
Dr. Roger Soares é médico neurologista, nascido em 1968 no Paraná. Mora em São Paulo há mais de 30 anos e é médico credenciado dos maiores hospitais da capital paulista. Atualmente se dedica exclusivamente ao tratamento de seus pacientes particulares no consultório no Tatuapé. Gosta de escrever, aprender e provocar reflexões. "Conhecimento verdadeiro é saber a extensão da própria ignorância." Confúcio

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