Como funciona a atenção

Atualizado pela última vez em 04/01/2024

A maior parte das pessoas que chegam ao consultório de um neurologista especializado em cognição e comportamento queixa-se de dificuldade de memória. Esse é um rótulo que se aplica, indistintamente, a uma série de problemas que resultam em dificuldade de reter ou de recuperar informações e experiências. No consultório, procuramos detalhar o processamento cognitivo e identificar quais etapas estão comprometidas e, curiosamente, encontramos problemas de linguagem, de raciocínio, dislexias, percepção visuo-espacial, deficiências sensoriais e outras tantas, independentes dos processos diretos da memória. Nesse artigo, analisaremos um componente fundamental para o pensamento: a atenção e seus mecanismos. Comecemos observando os mecanismos básicos de memória.

Quando lembramos de um evento no passado, estamos realizando a evocação de um conteúdo de memória. Mas para que isso aconteça, em primeiro lugar, é preciso que esse conteúdo tenha sido eficientemente gravado. Memória é gravação e recuperação de dados. Como em um computador, se não salvamos adequadamente um arquivo na mídia apropriada, não teremos como abri-lo novamente depois. Se eu lhes disser, por exemplo, que estou escrevendo esse artigo pela segunda vez porque o rascunho não foi salvo adequadamente pelo computador, entenderão perfeitamente o que quero dizer.

A atenção é a capacidade que temos de focalizar um objeto ou grupo de objetos externos(sensoriais) ou internos(pensamentos) que aparecem aos nossos sentidos. Esse processo é indispensável para que os dados a serem salvos no banco de memórias sejam isolados e enviados ao processo de gravação. Por meio da atenção, dedicamos nossos esforços e energia intelectual para o alvo escolhido e eliminamos tudo aquilo que não se relaciona diretamente ao nosso desejo.

Em termos cerebrais, existem 3 tipos de atenção: a bottom-up, a top-down e a domínio-específico.

A bottom-up ou, de baixo para cima, refere-se à atenção que temos aos estímulos externos ou internos que chegam até nós e que recebemos de maneira difusa. Imagine-se como um animal andando numa floresta, atento a qualquer pequeno barulho, cheiro ou sensação tátil que se apresente durante seu caminhar. Em primeiro lugar, recebemos todos os estímulos, para depois decidir o que cada um significa e sua relevância para nossa ação. Essa atenção depende do tronco cerebral e dos sistemas ativadores do estado de alerta ou vigília que vêm de baixo para cima; é bastante primitiva e instintiva. Bastante típica também das crianças que estão sempre atentas a tudo e a nada ao mesmo tempo.

Já a atenção tipo top-down, ou de cima para baixo, começa lá em cima, no córtex cerebral e sobrepuja os mecanismos de atenção instintivos. Ela se traduz na capacidade que temos de focalizar a atenção segundo nosso desejo e vontade, proporcionando a concentração mental. Um exemplo dessa atenção é quando lhe chamam para sair no sábado à noite e você decide ficar em casa para estudar. Enquanto estuda, alguém liga a TV e lhe lembra que seu programa preferido vai começar. Apesar das coisas que lhe excitam emocionalmente, como a balada ou a TV, sua determinação é capaz de eliminar da mente esses objetos de prazer e se direciona à matéria que precisa ser aprendida. É claro que a atenção top-down depende de amadurecimento cerebral, deve ser estimulada na escola e em casa e pode ser treinada durante a vida.

Por fim, a atenção tipo domínio-específico corresponde a uma modalidade que agrupa vários tipos de atenção, mais localizadas em certas áreas do cérebro, cada uma correspondendo a uma experiência sensorial. Há uma atenção visual-espacial que será envolvida na apreciação estética, outra relacionada à audição e à música e assim por diante.Esses três processos mencionados serão responsáveis pelo funcionamento prático da atenção. Compreendendo essa dinâmica mental, podemos até melhorar nosso desempenho intelectual. A atenção é uma modalidade cognitiva com vários aspectos práticos, como os que veremos a seguir, e que implicam na eficiência do aprendizado.

Inicialmente, é preciso ter um estado de alerta que surge de um despertar dos sentidos. Se estamos sonolentos, não estamos suficientemente despertos e não temos a atenção necessária para gravar dados na memória. O melhor é descansar um pouco, um cochilo de meia hora, e depois continuar o trabalho intelectual. Ou talvez, levantar da cadeira, fazer polichinelos ou cantar uma música com a criançada para enganar o cérebro e acordar os sonolentos.

Além do alerta, a atenção envolve também a vigilância que é a capacidade de persistir com um determinado objeto por um certo tempo. Essa habilidade pode ser treinada e expandida, mas normalmente não conseguimos mantê-la por mais de 40 minutos. Portanto, sessões muito prolongadas de estudo perdem em efetividade conforme o tempo passa. O melhor é dividir o estudo em períodos de até uma hora, com intervalos de descanso.

Existe também a capacidade de focalização que consiste em poder eliminar outros objetos potencialmente interessante do seu campo de pensamento. A perda desse aspecto da atenção se revela como devaneios ou distrações durante um esforço intelectual. Assim, é importante monitorarmos continuamente nosso estado de focalização e decidir, quando o perdemos, se precisamos nos concentrar mais ou descansar. Pode ser também que existe um objeto em particular que o esteja perturbando, como a vizinha gritando com a filha adolescente. Se for possível, elimine o o problema e volte ao estudo.

Finalmente, existe o que chamamos de atenção dividida que é a possibilidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo. Atualmente, tal como os sistemas operacionais de computadores, queremos ser sempre “multi-tarefa”. Só que embora sejamos capazes de dirigir e conversar com alguém ao lado, enquanto ouvimos o rádio, no momento de uma curva perigosa, esquecemos todo o resto para focalizar no mais importante. Do mesmo modo, o adolescente deve saber que é capaz de ler, ouvir o ipod, digitar no MSN e atualizar o Twitter; mas essa atenção dividida, embora seja atenção, não é o mesmo tipo de atenção necessária para aprender uma lição de matemática ou história.

Se conhecimento é poder, aqui compartilho o que espero ser capaz de empoderar os leitores e melhorar seu domínio sobre os processos cognitivos. Compreender e desenvolver os mecanismos de atenção é fundamental para tirar o máximo proveito de suas capacidades de memória. Mas, lembre-se: depois de feito o trabalho, tire um tempo para relaxar e viver a vida com as pessoas que gosta porque isso também é fundamental.

Roger Taussig Soares
Neurologista – São Paulo
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Dr. Roger Soares é médico neurologista, nascido em 1968 no Paraná. Mora em São Paulo há mais de 30 anos e é médico credenciado dos maiores hospitais da capital paulista. Atualmente se dedica exclusivamente ao tratamento de seus pacientes particulares no consultório no Tatuapé. Gosta de escrever, aprender e provocar reflexões. "Conhecimento verdadeiro é saber a extensão da própria ignorância." Confúcio

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