Os estágios do Alzheimer

Atualizado pela última vez em 04/01/2024

O conhecimento que se tem acumulado em torno da Doença de Alzheimer tem revolucionado o modo como enxergamos essa patologia. Até poucos anos atrás, acreditava-se que a atrofia cerebral causada pelo acúmulo da proteína beta-amilóide e da proteína tau desenvolvia-se em paralelo com as manifestações da doença, tais como perda de memória, desorientação no espaço e no tempo. Atualmente, as novas evidências científicas apontam para o início da doença muito antes dos sintomas clínicos. De fato, as alterações patológicas acontecem anos antes dos primeiros sinais e já podem ser detectados pelos novos métodos diagnósticos, até o momento reservado para o ambiente de pesquisa científica. Por conta do renovado entendimento de como a moléstia se desenvolve, pesquisadores propuseram uma nova classificação com 7 estágios da doença. A expectativa é que novos tratamentos surjam e que possamos postergar o início dos sintomas propriamente ditos e o declínio funcional que acompanha inexoravelmente essa condição.

Graças aos esforços de pesquisadores em todo o mundo podemos apreciar os eventos que iniciam o processo patológico que culmina com a instalação da demência propriamente dita. Para simplificar, podemos classificar essas alterações em 4 tipos que se desenvolvem sucessivamente: biomoleculares, celulares, radiológicas e clínicas. Podem passar anos entre o início das alterações biomoleculares e as manifestações celulares, o mesmo acontecendo entre as alterações radiológicas e o aparecimento dos sintomas clínicos. Por esse motivo, é comum encontrar-se pessoas que faleceram e que tinham alterações cerebrais totalmente compatíveis com Alzheimer mas que não chegaram a manifestar a doença em vida.

Vamos falar um pouco mais dessas etapas de desenvolvimento que traduzem os avanços científicos:

1- Alterações biomoleculares: são as primeiras a aparecer e podem anteceder a doença até mais que uma década. Aparentemente, o processo começa pela dificuldade na eliminação da proteína beta-amilóide que começa a se acumular na forma de dímeros e depois vai aumentando. A distribuição de beta-amilóide depositado no cérebro pode ser detectada por exames especiais como o PET scan com um marcador específico denominado PiB. Esse método não é disponível comercialmente e é reservado para a pesquisa. O beta-amilóide se deposita no espaço entre as células e pode comprometer a eficiência das conexões entre os neurônios. A seguir, ainda nessa fase uma outra proteína começa a se acumular no interior das células, é a proteína tau. Essa proteína faz parte dos microtúbulos intracelulares e sua disfunção pode afetar o transporte de substância de um lado a outro dentro dos neurônios.

2- Alterações celulares: com o passar do tempo, o acúmulo das formas anômalas das proteínas beta-amilóide e tau começa a dificultar o funcionamento das células. A eficiência das sinapses diminui e, com ela, também a passagem de informações entre os neurônios. As células de sustentação do sistema nervoso também estão modificadas de algum modo e um efeito inflamatório pode ser observado. Nessa fase, os mecanismos de compensação conhecidos como reserva cerebral e reserva cognitiva atuam para manter o funcionamento do indivíduo. É como se outras redes nervosas fossem ativadas para dar conta das necessidades da vida diária. Com a falência celular, começa a ocorrer a morte dos neurônios.

3- Alterações radiológicas: as disfunções biomoleculares e celulares provocam a morte dos neurônios e a despopulação neuronal leva a uma desconexão entre as áreas cerebrais e uma diminuição do volume cerebral. Com menos substância cinzenta, o cérebro fica atrofiado. Isso pode ser observado a olho nu, no caso da autópsia, ou por meio de ressonância magnética. Novas técnicas de ressonância utilizadas em nível experimental conseguem avaliar o estado de conectividade das redes neurais e a espessura do córtex e predizer com grande acurácia a progressão para doença clinicamente estabelecida.

4- Alterações clínicas: o que antes admitíamos como a doença em si, hoje é entendido apenas como a ponta do iceberg. Quando o paciente começa a apresentar um declínio cognitivo lentamente progressivo, com predomínio de memória, mas não restrita a ela, é porque o cérebro já está bastante comprometido nos níveis mais fundamentais e os mecanismos de compensação já não são suficientes para lidar com as exigências da vida diária.

O objetivo das pesquisas atuais é detalhar os mecanismos mais sutis da patologia na esperança de encontrar pontos em que se possa atuar para prevenir o desenvolvimento da doença, antes mesmo que os primeiros sintomas apareçam. É claro que enquanto não dispomos de tratamentos ou intervenções eficientes, existe um dilema ético em abrir os métodos diagnósticos de pesquisa para o público em geral. Essa é uma fase apenas e esperamos que em breve teremos ações eficientes no sentido de retardar ou bloquear a evolução da doença e assim poderemos fazer uso desse arsenal tecnológico recentemente desenvolvido.

Em função do avanço da neurologia e das neurociências na compreensão das causas e evolução do Alzheimer, uma nova classificação dos estágios de doença foi proposta por Barry Reisberg e deve ser cada vez mais adotada pelos profissionais da saúde que lidam com o problema.

Estágio 1: Sem comprometimento (função normal): A pessoa não tem qualquer problema de memória. Em uma consulta com um profissional médico não se mostram evidências de sintomas de demência.

Estágio 2: Declínio Cognitivo Muito Leve (pode ser normal para a idade ou os sinais mais precoces da Doença de Alzheimer): A pessoa pode sentir que está com dificuldade de memória, com alguns lapsos, esquecendo palavras conhecidas ou o lugar dos objetos do dia-a-dia. Mas nenhum sintoma de demência pode ser detectado durante o exame médico, por seus amigos, familiares ou colegas de trabalho.

Estágio 3: Comprometimento Cognitivo Leve (Alzheimer precoce pode ser diagnosticado em alguns, mas não todos os indivíduos com esses sintomas): Amigos, familiares ou colegas de trabalho começam a perceber dificuldades. Durante uma consulta médica detalhada, o neurologista pode detectar problemas na memória ou concentração. Dificuldades comuns ao estágio 3 incluem: dificuldades notáveis de achar a palavra ou o nome certo, dificuldade de lembrar o nome de pessoas que acabou de conhecer, maior dificuldade na realização de atividades no ambiente de trabalho ou social, esquecer coisas que acabou de ler, colocar fora de lugar ou perder objetos valiosos e dificuldade progressiva em planejamento e organização.

Estágio 4: Declínio Cognitivo Moderado (Doença de Alzheimer Leve ou inicial): Nesse ponto, uma entrevista médica cuidadosa deve ser capaz de detectar problemas claros e evidentes em várias áreas, tais como: esquecimento de eventos recentes, dificuldade com operações matemáticas mentais, maior dificuldade em tarefas complexas como manuseio de finanças ou planejar um jantar, esquecimento de fatos da própria história pessoal, afastamento social e apatia especialmente em situações que exigem esforço mental.

Estágio 5: Declínio Cognitivo Moderadamente Severo (Doença de Alzheimer moderada ou intermediária): Hiatos de memória e pensamento muito perceptíveis, os indivíduos começam a ter dificuldades com as tarefas do dia-a-dia. Nesse estágio podemos observar: incapacidade de lembrar o próprio endereço ou telefone ou a escola onde se formou, ficar confuso sobre a data atual ou onde está no momento, dificuldade com operações matemáticas mentais simples, precisa de ajuda para escolher as roupas apropriadas para a ocasião ou estação do ano, ainda se lembra de detalhes significantes sobre si próprio e a família, ainda não requer ajuda para se alimentar ou usar o banheiro.

Estágio 6: Declínio Cognitivo Severo (Doença de Alzheimer Moderada/Severa): A memória continua a piorar, mudanças de personalidade aparecem e os pacientes precisam de ajuda importante nas atividades diárias. nesse estágio se verificam: perda da consciência de experiências recentes e coisas á sua volta, dificuldade com a história pessoal, reconhece rostos familiares mas não sabe dizer o nome das pessoas próximas, dificuldade em se vestir adequadamente, alterações sérias no padrão de sono, precisam de ajuda no uso do vaso sanitário, dificuldade progressiva de controlar a urina e as fezes, alterações de personalidade podendo ter delírios ou alucinações, tendência a perambular ou se perder.

Estágio 7: Declínio Cognitivo Muito Severo (Doença de Alzheimer Severa ou Avançada): É o estágio final dessa doença, os indivíduos perdem a capacidade de responder ao meio ambiente, não conseguem manter uma conversa e, por fim, perdem o controle dos movimentos. Precisam de grande ajuda no cuidado pessoal, inclusive na alimentação e necessidades fisiológicas. Nos últimos degraus, não se sentam sozinhos, não mantêm a cabeça e perdem a capacidade de sorrir. Os reflexos ficam alterados, os músculos enrijecem e a deglutição fica comprometida.

Lembramos que essa classificação é apenas uma das disponíveis e os profissionais adotam aquelas com as quais se sentem mais capazes de aplicar na prática profissional. Aos familiares é preciso saber que cada paciente é uma individualidade e sintomas de uma fase podem se misturar em outra. A compreensão da evolução da doença, por enquanto inelutável, pode ser de difícil assimilação, mas com o tempo ajuda os cuidadores e familiares a se prepararem para o que os aguarda. Os médicos e demais profissionais da saúde estamos empenhados em fazer essa dura caminhada o mais suave possível e esperamos garantir em todo o tempo o respeito à vida e o valor da dignidade humana.

Dr. Roger Taussig Soares
neurologista
crm 69239 SP

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roger.soares
Dr. Roger Soares é médico neurologista, nascido em 1968 no Paraná. Mora em São Paulo há mais de 30 anos e é médico credenciado dos maiores hospitais da capital paulista. Atualmente se dedica exclusivamente ao tratamento de seus pacientes particulares no consultório no Tatuapé. Gosta de escrever, aprender e provocar reflexões. "Conhecimento verdadeiro é saber a extensão da própria ignorância." Confúcio

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