Neurite Óptica e Esclerose Múltipla

Atualizado pela última vez em 16/02/2024

A Esclerose Múltipla é uma doença desmielinizante do sistema nervoso central. Isso significa que as lesões mediadas pelo ataque das células imunológicas ao cérebro levam à destruição da bainha de mielina que envolve os neurônios e acelera a transmissão dos impulsos nervosos. Além da destruição da mielina produzida pelos oligodendrócitos, sabemos atualmente que existe um componente degenerativo na Esclerose Múltipla que corresponde à destruição direta dos neurônios, independente da patologia inflamatória da doença. A Esclerose Múltipla pode comprometer vários pontos do sistema nervoso central e gerar sintomas diferentes de acordo com os locais afetados. Um dos pontos frequentemente acometidos é o nervo óptico. A inflamação do nervo óptico determina uma diminuição da visão que pode ser permanente. Nesse artigo trataremos da neurite óptica como um possível primeiro sintoma da Esclerose Múltipla.

Os nervos ópticos são os nervos responsáveis por recolher as impressões visuais da retina e as transmitir até os lobos occipitais, na parte posterior do cérebro, para que possam ser analisados e transformados na experiência de enxergar. Quando ocorre uma lesão do nervo óptico, o impacto da luz sobre o fundo do olho não é transmitido ao cérebro e, como consequência, se observa a perda da acuidade visual no olho comprometido. Habitualmente a inflamação no nervo óptico, a chamada neurite óptica, ocorre de um lado e se desenvolve no período de alguns poucos dias levando à perda total ou parcial da visão, sendo acompanhada por dor à movimentação do olho. Pacientes portadores de Esclerose Múltipla podem apresentar neurites ópticas no decorrer da evolução da doença, com eventos repetidos no mesmo olho ou em ambos os olhos. Estima-se que até 66% dos pacientes com Esclerose Múltipla apresentam, em algum momento, uma neurite óptica. Além da perda visual que pode ser restrita à parte central da visão, podem ocorrer também turvação visual ou visão acinzentada.

Às vezes a neurite óptica pode ser o primeiro sintoma de uma esclerose múltipla. Uma das tarefas do médico que atende uma pessoa previamente saudável e que se apresenta com uma neurite óptica é determinar se ela tem um risco alto ou baixo de se transformar em uma esclerose múltipla definitiva. De acordo com a avaliação de risco que o neurologista faz, é possível se traçar uma estratégia de tratamento que diminua o risco de conversão ou o grau de incapacidade física da Esclerose Múltipla que está ali se iniciando.

Quadros típicos e atípicos de neurite óptica

Como já citamos, tipicamente a neurite óptica se desenvolve no decorrer de poucos dias, com sua pior fase ao redor da segunda semana da doença. Além do borramento visual ou perda da visão, habitualmente se observa também dor na movimentação do olho. Em cerca de 2/3 dos casos o exame de fundo de olho é normal, não se observando inchaço no disco óptico. Isso acontece porque normalmente a neurite é retrobulbar, ou seja, atinge a parte do nervo posterior ao olho. Somente depois de várias semanas é que se pode observar alterações no fundo do olho, na maioria dos casos, por meio de uma técnica nova de exame denominada Tomografia por Coerência Optica(OCT).

Um grande estudo multi-institucional, o Optic Neuritis Treatment Trial(ONTT), analisou 454 pacientes com neurite óptica recrutados no período de 1988 a 1991 e gerou mutias informaçoes a respeito do problema até 15 anos depois do seu início. Os pacientes do ONTT receberam 3 possibilidades de tratamento: metilpredinisolona endovenosa em altas doses(seguida de prednisona por via oral), prednisona por via oral somente ou placebo.

Dentre as várias informações obtidas pelo estudo, uma relevante é que os quadros atípicos de neurite óptica têm menor chance de se converterem em Esclerose Múltipla ao longo dos anos. Assim, pacientes que se apresentam com neurite óptica sem dor ocular, ou que tenham importante edema do fundo do olho desde o início da doença, ou ainda que tenham sinais de hemorragia no fundo do olho, tem chance quase zero de desenvolverem esclerose múltipla nos próximos 5 anos.

Pacientes de alto risco e de baixo risco de conversão

É possível identificar quais os pacientes com neurite óptica têm a maior chance de se converterem em portadores de esclerose múltipla definitiva. De modo geral, naqueles que têm a neurite óptica e no estudo de Ressonância Magnética do encéfalo não apresentam lesões sugestivas de esclerose múltipla, a chance de conversão é de cerca de 25% em 10 anos. Já naqueles que desenvolvem uma neurite óptica mas que já apresentam na ressonância do cérebro algumas lesões compatíveis com esclerose múltipla, a chance de conversão para Esclerose Múltipla clinicamente definida é de até 75%.

Todavia, os avanços terapêuticos na Esclerose Múltipla já nos permitem diminuir o risco de conversão. Estudos com Avonex, Rebif, Betaseron e Copaxone utilizados desde o momento do aparecimento de uma Síndrome Clínica Isolada, no caso aqui a neurite óptica, permitiram diminuir o risco de conversão em 40 a 50%. Além disso, a frequencia de surtos naqueles que progridem para Esclerose Múltipla e o grau de incapacidade física também é menor naqueles que iniciaram tratamento precoce com esses agentes. Por esse motivo, optamos iniciar tratamento com esses agentes modificadores de doença nos pacientes com neurite óptica e lesões na ressonância compatíveis com Esclerose Múltipla.

Estudos recentes mostram que pacientes com neurite óptica, ressonância normal e exame de líquor normal têm chance de apenas 4% de conversão. Por outro lado, aqueles que têm ressonância normal mas apresentam bandas oligoclonais no exame de líquor, a chance de conversão para esclerose múltipla é de 23%.

O que esperar da neurite óptica

No geral, o prognóstico da neurite óptica é bastante favorável. Depois de 15 anos, 92% dos pacientes terão uma acuidade visual igual ou maior a 20/40 no olho acometido e 97% terão acuidade maior ou igual a 20/40 no outro olho. O tratamento com metilprednisolona favorece a recuperaçào mais precoce da visão, mas não é melhor do que placebo em longo prazo. Uma minoria chega ao grau de cegueira. Menos de 3% dos pacientes desenvolvem cegueira em um olho em 15 anos e menos que 1% desenvolvem cegueira nos dois olhos.

Uma situação particular, menos favorável, é observada nos pacientes que desenvolvem neurite óptica relacionada à Doença de Devic, uma forma de inflamaçào que compromete a medula espinhal e os nervos óptica, aparentemente associada a anticorpos contra canais de água das células cerebrais (anti-aquaporina 4). Esses pacientes permanecem com cegueira funcional em cerca de 22% dos casos.

Exames diagnósticos

Atualmente, novas tecnologias têm aparecido que permitem uma melhor detecção do problema, assim como acompanhamento evolutivo. duas delas merecem destaque: a tomografia por coerência óptica de retina (OCT) e o teste de acuidade visual de baixo contraste.

A OCT utiliza raios infravermelhos emitidos contra a retina para medir a resposta e formar um mapa das camadas celulares do fundo do olho. A camada de fibras nervosas diminui de espessura nos casos de neurite óptica. O método é muito sensível e consegue detectar alterações mesmo em pacientes assintomáticos, sevindo como um marcador de doença subclínica. Mais além, o grau de atrofia da camada de fibras nervosas da retina se correlaciona com o grau de atrofia cerebral determinada pela esclerose múltipla e pode ser utilizada como uma maneira de avaliar a evolução da doença.

O teste de acuidade visual de baixo contraste de 7 a 10 dígitos é muito mais sensível que o comumente utilizado, o de alto contraste. No caso da esclerose múltipla e da neurite óptica, nào apenas esse exame conseguiu registrar comprometimentos mais leves como foi capaz de identificar melhora em pacientes que utilizaram tratamento com natalizumab em um estudo.

Finalizando

A neurite óptica de etiologia desmielinizante é a forma mais comum de acometimento neuropático dos nervos ópticos na faixa dos 15 aos 50 anos e pode ser o primeiro sintoma de uma Esclerose Múltipla. O diagnóstico adequado e o acompanhamento evolutivo com oftalmologista e com neurologista pode ser valioso e propiciar a chance de tratar os pacientes com maior risco de conversão para esclerose múltipla.
De modo geral, o prognóstico do problema é favorável e sua detecção precoce é fundamental para um tratamento satisfatório.

Roger Taussig Soares
Neurologista – São Paulo
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Dr. Roger Soares é médico neurologista, nascido em 1968 no Paraná. Mora em São Paulo há mais de 30 anos e é médico credenciado dos maiores hospitais da capital paulista. Atualmente se dedica exclusivamente ao tratamento de seus pacientes particulares no consultório no Tatuapé. Gosta de escrever, aprender e provocar reflexões. "Conhecimento verdadeiro é saber a extensão da própria ignorância." Confúcio

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