Hipertensão durante a gravidez: novo fator de risco para derrame cerebral

Atualizado pela última vez em 04/01/2024

A descoberta recente de que a doença hipertensiva da gestação pode aumentar o risco de um acidente vascular encéfalico muitas décadas mais tarde é uma novidade preocupante. Sabemos que o acidente vascular encefálico (AVE) ou derrame cerebral é a segunda causa de morte no mundo, mas até a publicação de uma nova pesquisa na revista Neurology a história de gravidez não era considerada como fator de risco. Leia abaixo e entenda a relação entre hipertensão na gravidez e risco de derrame.

Acidente Vascular Encefálico – AVE

O AVE, conhecido também como AVC, é uma lesão cerebral súbita resultante da interrupção do fluxo sanguíneo em uma parte do cérebro. Existem dois tipos de AVE: o isquêmico e o hemorrágico. Isquemia significa “falta de sangue” e o AVE isquêmico acontece quando uma artéria do cérebro é entupida por um coágulo de sangue. A área irrigada por aquela artéria sofre com falta de oxigênio e glicose, o que leva à morte dos neurônios. Já o acidente vascular hemorrágico decorre da ruptura de um vaso sanguíneo ou do próprio tecido cerebral. Apenas 15% dos AVEs são hemorrágicos. A maioria é do típo isquêmico.

Causas do Acidente Vascular Encefálico

A maior parte dos AVEs seria evitável se os fatores de riscos fossem controlados. Os acidentes isquêmicos acontecem porque uma artéria grande ou pequena se fechou devido a um coágulo sanguíneo que se formou na própria artéria ou foi criado no coração e impulsionado pela corrente sanguínea até parecer em um vaso de calibre menor. A principal causa de fechamento das artérias é o acúmulo de colesterol que, por sua vez, advém de problemas como pressão alta, diabetes, tabagismo, obesidade, sedentarismo e, claro, colesterol alto. Os AVEs de origem cardíaca ou cardioembólicos se ocasionam por arritmias cardíacas e disfunção nas câmaras do coração, em especial do átrio esquerdo.

Se considerarmos que a pressão alta, o diabetes, o tabagismo e a obesidade são fatores de risco controláveis, devemos concordar que não teríamos tantos AVEs caso cuidássemos melhor da saúde. Outros fatores de risco como problemas genéticos e o envelhecimento são inevitáveis, mas nesses casos podemos ainda fazer a prevenção com medicamentos específicos. A doença hipertensiva da gravidez é o novo personagem nessa história.

A doença hipertensiva específica da gestação (DHEG)

“As síndromes hipertensivas são as complicações mais frequentes na gestação e constituem, no Brasil, a primeira causa de morte materna e perinatal, principalmente quando se instalam em suas formas mais graves como a eclampsia e síndrome de HELLP, em países desenvolvidos como EUA esta patologia é a segunda causa de morte entre gestantes”, conta-nos o Portal Educação.

Aumentos de pressão acima de 140×80 durante a gestação representam um aumento de risco para a mãe e para o bebê. Além disso a DHEG também cursa com edema (inchaço) e proteínúria (liberação de proteínas na urina). Em casos mais graves, existe um comprometimento do sistema circulatório da mãe e do bebê, trazendo riscos de convulsão e até morte.

De modo simplificado, chama-se de pré-eclâmpsia quando a gestante tem hipertensão, edema e proteinúria ou de eclâmpsia quando a grávida também tem convulsão. Os riscos da DHEG podem se estender até quadros gravíssimos como a síndrome HELLP na qual acontecem também hemólise, queda de plaquetas e aumento das enzimas hepáticas. O novo problema descoberto agora é que a DHEG pode favorecer a ocorrência de AVE em mulheres com até mais de 60 anos.

Derrame cerebral e sua relação com a hipertensão na gravidez

Um estudo publicado em dezembro de 2018 na revista Neurology avaliou 83.749 mulheres que faziam parte de um grupo de professoras da Califórnia (EUA). As participantes tinham menos de 60 anos no início do estudo em 1995 e foram acompanhadas até 2015. A pesquisadora principal Eliza Miller e seus colaboradores identificaram um aumento de risco para acidente vascular encefálico em mulheres que tiveram doença hipertensiva específica da gravidez. Esses achados foram confirmados mesmo depois de corrigidos fatores como idade, etnicidade e demais riscos conhecidos para AVE. Assim, considera-se que a DHEG é um fator de risco por si próprio para acidente vascular encefálico.

Aspirina diminui o risco de derrame em mulheres com história de pressão alta na gestação

O estudo também demonstrou que o risco era aumentado para mulheres com mais de 60 anos de idade e que tinham história de doença hipertensiva da gravidez. Entretanto, esse risco foi diminuído pelo uso regular de aspirina como forma de prevenção em mulheres com menos de 60 anos. Isso significa que o uso regular do ácido acetilsalicílico 100mg ao dia como prevenção primária pode ser uma maneira de controlar o risco de AVE em mulheres que tiveram problemas de pressão alta na gestação.

Apesar dos achados, os pesquisadores não recomendam que se inicie de imediato o uso indiscriminado de aspirina em mulheres com DHEG. Isso porque estudos publicados no ano passado no New England Journal of Medicine identificaram problemas potenciais com essa prática. No estudo da Califórnia, todavia, não houve aumento de hemorragia cerebral nas mulheres acompanhadas.

Como a hipertensão da gravidez pode causar derrame cerebral

Os cientistas da área continuam estudando a DHEG para entender como ela acontece. Aparentemente existem vários fatores associados que se conjugam para a manifestação completa da doença. Entre as teorias mais correntes, incluem-se a da isquemia placentária, da disfunção endotelial, das prostaglandinas, além de teorias hormonias, imunológicas e genéticas.

No caso do acidente vascular encefálico, dois mecanismos têm sido considerados. O primeiro é o de que a gestação é uma prova de estresse sobre o sistema cardiocirculatório e mulheres com pouca reserva cardiovascular não suportam o estresse da gestação e manifestam a doença. Essa fragilidade hemodinâmica seria a causa dos AVEs tardios. O segundo mecanismo interroga se os fatores que levaram à DHEG continuariam agindo durante toda a vida até o aparecimento de evento vascular cerebral.

A importância do cuidado durante a gestação

A hipertensão arterial complica cerca de 7 a 10% de todas as gestações, incidência que pode variar com a população estudada e os critérios utilizados para diagnóstico. É a complicação médica mais comum da gravidez e a principal causa de morbimortalidades materna e perinatal.

Nas últimas décadas a DHEG tem aumentado em incidência em países como os EUA e as causas para isso ainda são desconhecidas. Essa é uma questão de saúde pública de interesse mundial.

Por fim, o reconhecimento que a doença hipertensiva da gestação pode aumentar o risco de acidente vascular encefálico mesmo durante a terceira idade é motivo para revermos nossas formas de estratificação de risco. Na avaliação da prevenção de AVE devemos considerar também a pré-eclâmpsia e eclâmpsia como risco aumentado.

Roger Taussig Soares
Neurologista – São Paulo
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Dr. Roger Soares é médico neurologista, nascido em 1968 no Paraná. Mora em São Paulo há mais de 30 anos e é médico credenciado dos maiores hospitais da capital paulista. Atualmente se dedica exclusivamente ao tratamento de seus pacientes particulares no consultório no Tatuapé. Gosta de escrever, aprender e provocar reflexões. "Conhecimento verdadeiro é saber a extensão da própria ignorância." Confúcio

2 respostas

  1. Roger, eu não tinha visto este tipo de informação ainda. A hipertensão da gestação (DHEG) que o nome já chama de específica da gestação, costuma ser vista como limitada pelo nascimento. Sabemos que em seus casos mais graves, podem estar associada com síndromes antifosfilolipides conhecidas, não sei se, neste trabalho, este viés foi colocado. Neste caso, seria um motivo para aumentar os quadros isquêmicos. Pode ser também que possa haver outras alterações não detectáveis até então, já que a fisiopatogenia não é totalmente conhecida ainda. Vou ver se me informo . Obrigado.

    1. Muito obrigado pelas colocações. A DHEG é realmente complexa e fiquei particularmente intrigado ao ler sobre a suspeita dos pesquisadores de que pode haver alguma alteração humoral que permanece subclínica ao longo da vida de quem teve pré-eclãmpsia.
      O link para a publicação está no texto.
      Grande abraço!

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