Crise Espiritual pelo Coronavirus

CRISE ESPIRITUAL DO CORONAVIRUS

Preocupo-me com a crise espiritual do coronavirus.

A crise de saúde está bem detectada e as medidas de quarentena e distanciamento social devem ser capazes de achatar a curva de progressão da pandemia. Esperamos que assim ocorra e o sistema de saúde esteja preparado para atender os doentes, minimizando as mortes. Sabemos, todavia, que haverá perdas inevitáveis.

As crises econômica, social e política estão sendo lidadas pelos governos e órgãos competentes, procurando contenção de danos. Muitas fragilidades de diversos países aparecem com mais relevo nesse momento em virtude da proporção dessa pandemia.

Entretanto, a crise espiritual do coronavírus ainda não foi reconhecida e pode ser igualmente muito grave.

Chamo de crise espiritual à perda ou abandono de valores imateriais que sustentam a conduta moral e a ética de indivíduos ou grupos. São valores ou bens imateriais aqueles que não podemos pegar com as mãos, tais como: solidariedade, respeito, compaixão, fraternidade, justiça, bondade, dádiva etc. Digo que são espirituais porque estão na dimensão transcendente ou metafísica, mas não porque dependam de alguma crença religiosa. Pessoas ateístas também possuem esses valores.

Infelizmente, muitas pessoas têm colocado seu instinto de sobrevivência acima do bem coletivo, negando seus próprios valores espirituais. Na expectativa de se proteger, têm causado danos indiretos aos demais quando compram máscaras, fazem estoques em casa ou se entrincheiram contra o mundo.

Quando pessoas saudáveis compram um pacote de máscaras, elas impedem que pessoas doentes tenham acesso aos equipamentos de proteção como forma de evitar o maior espalhamento. Esse é apenas um exemplo, mas há muitos outros.

Penso que a crise econômica ou de saúde pode abalar as estruturas da sociedade. Todavia, somente a perda dos valores espirituais pode levar ao caos social. Da defesa egoística de um pacote de máscaras ao saqueamento de lojas é um passo pequeno.

Precisamos de políticas de contenção do pânico e de uma reafirmação dos valores que fundamentam a nossa ética. A população deve ser lembrada das suas melhores virtudes para que se sustente sobre referenciais positivos nesse momento de crise.

É preciso lembrar daquilo que nos faz humanos. Quando se fala em humanização do atendimento à saúde ou do mundo corporativo, pensamos que as pessoas não devem ser tratadas como números. Esse é um lado da humanização, mas não é o único.

O outro lado é que as pessoas também não devem se comportar abaixo da dignidade humana. Quando cedemos irrefletidamente aos nossos instintos mais básicos como o de autopreservação, estamos renunciando às capacidades superiores da humanidade. Afinal, qualquer animal luta instintivamente pela preservação da própria vida. Somos muito melhores que isso.

Somente o ser humano é capaz de pensar e agir de forma ética, colocando o bem e a justiça acima dos interesses pessoais. Graças à nossa capacidade de ir além e acima dos nossos instintos básicos, podemos exercer a caridade, a compaixão ou a fraternidade. É também graças à conduta moral que pagamos impostos e sustentamos a sociedade. Entendemos, ainda como exemplo, que somente respeitando os valores da democracia, podemos alcançar o progresso. Todo mundo obedece as regras do jogo não apenas por força de lei, mas também por dever moral.

Enfim, nossa vida cotidiana é tão permeada por fundamentos ético-morais (bens imateriais) que nem os percebemos mais. Porém, nesse momento esses mesmos valores espirituais estão sendo colocados à prova e falar explicitamente deles é imprescindível.

A situação é grave, reconhecemos isso. Contudo, como qualquer catástrofe, ela será superada e a maioria se recuperará com mais ou menos danos. Devemos lembrar dos valores que sempre deram significado e propósito à nossa existência. Devemos nos esforçar para preservá-los a todo custo.

Depois de uma crise como essa, nossas atitudes durante os tempos sombrios serão determinantes para definir o tipo de pessoa que seremos quando reemergirmos do caos. Paz, serenidade, bondade e respeito a todos sejam nosso leme nessa tempestade.

Roger Taussig Soares

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Dr. Roger Soares é médico neurologista, nascido em 1968 no Paraná. Mora em São Paulo há mais de 30 anos e é médico credenciado dos maiores hospitais da capital paulista. Atualmente se dedica exclusivamente ao tratamento de seus pacientes particulares no consultório no Tatuapé. Gosta de escrever, aprender e provocar reflexões. "Conhecimento verdadeiro é saber a extensão da própria ignorância." Confúcio

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