Alzheimer e exercício: é hora de colocar os idosos para malhar?

Atualizado pela última vez em 04/01/2024

A discussão do momento promovida pela imprensa é o papel do exercício físico na prevenção e no tratamento da doença de Alzheimer. Embora vários estudos já tenham demonstrado benefícios na melhora da memória em idosos e em pacientes no início da doença, a questão ganhou nova dimensão quando alguns veículos anunciaram a cura do Alzheimer por meio do exercício. As extrapolações foram feitas a partir de uma pesquisa publicada no início de janeiro sobre o tema. Aqui vamos explicar porque não se pode tirar conclusões apressadas.

A publicação sobre a Irisina liberada pelos músculos durante o exercício

Li o artigo sobre Alzheimer e exercício do grupo da dra. Fernanda Felice e Dr. Sérgio Ferreira que foi publicado na revista Nature Medicine em 07/01/2019. É simplesmente lindo, além de ser um orgulho para todos os brasileiros, afinal é uma das mais prestigiadas publicações científicas do mundo.
Eles demonstram como a FNDC5/Irisina expressada no músculo ou no cérebro são importantes na prevenção e reversão dos danos neuronais causados pelo amilóide beta que se acumula na doença de Alzheimer. Fizeram diversos experimentos com ratos que manifestam uma forma genética da doença e testaram várias hipóteses, comprovando que a irisina pode mesmo proteger os neurônios.
A pesquisa foi amplamente divulgada pelos meios de comunicação, em especial a Globo e suas afiliadas. A mensagem que foi transmitida à população resume-se em “fazer exercícios é a nova cura para o Alzheimer”. Isso me parece bastante equivocado porque a própria pesquisa não diz isso. Curiosamente, enquanto os pesquisadores falavam nas entrevistas que as descobertas podem favorecer o desenvolvimento de novos tratamentos, os jornalistas diziam que não precisamos esperar, basta começar a se exercitar. Vi diversas entrevistas com idosos fazendo ginástica e atestando que estão livres de Alzheimer. Esse é o fuzuê que a imprensa sempre faz e os impactos na população podem ser bastante negativos.

Interpretando corretamente os dados sobre Alzheimer e exercício

Anteontem, ao confirmar o diagnóstico de Alzheimer de um paciente meu, os filhos já perguntaram: Devemos colocar ele para fazer exercícios diariamente? E citaram as reportagens…Apesar dos dados publicados serem bem impressionantes, temos que entender algumas coisas:

1- seres humanos não são ratos. É preciso confirmar que os achados da pesquisa em ratos se repetirão em seres humanos. Pesquisas já feitas identificam benefícios, mas nenhuma cura de Alzheimer com exercício.

2- o modelo estudado foi de Alzheimer genético com mutação de APP e PS1, esse grupo corresponde a menos de 1% dos pacientes humanos com alzheimer, portanto não valem para nossos idosos com alzheimer (ainda que tenham usado ratos velhos de 13 a 16 meses de idade). A maior parte das pessoas com Alzheimer não tem problemas genéticos. Elas têm alterações causadas pelo envelhecimento que levam ao acúmulo do amilóide beta no cérebro e não tem uma maior produção do amilóide que se vê nos modelos genéticos experimentais.

3- o amilóide beta leva a uma diminuição da irisina no cérebro e esse é um dos fatores de perda de memória no alzheimer. Se a irisina pudesse agir no cérebro inteiro para evitar os danos do amilóide beta seria ótimo! Entretanto, os estudos encontraram a expressão da irisina apenas no hipocampo e em uma área do córtex do rato. Se no ser humano for igual, a irisina pode proteger essas áreas, mas como o amilóide afeta o cerebro inteiro do paciente, as outras áreas continuarão doentes.

4- o problema maior do Alzheimer é o acúmulo do amilóide beta que é tóxico para os neurônios. A irisina não impede e nem reverte o acúmulo do amilóide, apenas tenta contrabalançar os efeitos danosos das placas amilóides. Evidentemente, por mais que ela possa ajudar, não será capaz de conter todo o dano causado pelo acúmulo progressivo de amilóide.

O envelhecimento é a principal causa de Alzheimer

Um pouco de bom senso é suficiente para constatar que existem pessoas que fazem exercícios a vida inteira e mesmo assim desenvolvem Alzheimer. O envelhecimento do corpo e do cérebro são inexoráveis e diversas funções fisiológicas vão se degradando com o tempo. Por isso ficamos de cabelos brancos, pele fina e enrugada, catarata etc. Os órgãos internos sofrem com o envelhecimento da mesma forma e no caso do cérebro, as funções cognitivas são afetadas.

Enfim, é motivo de comemoração esse grande avanço científico, fruto de uma linha de pesquisa do Rio de Janeiro em parceria com o Canadá. O caminho já vinha sendo construído há mais de 10 anos e já sabiamos que o BDNF (que vem da ação da irisina) era importante no benefício do exercício em pacientes com Alzheimer. Mas temos que ter cautela e aguardar o desenvolvimento de caminhos seguros para o controle da doença.

Cuidados na recomendação de exercícios para idosos

Podemos forçar seres humanos idosos com Alzheimer ou comprometimento cognitivo leve (fase inicial da doença) a fazer exercícios como forma de tratamento?
No meu ponto de vista, NÃO sem pesar muito bem riscos e benefícios. Em geral os exercícios moderados, com baixo impacto, em quantidade adequada podem ajudar a melhorar a função cognitiva e também outras funções orgânicas. Contudo, os riscos existem e precisamos evitar certos perigos.

Idosos tem fragilidade muscular, instabilidade postural, osteoporose, doenças cardíacas ou coronarianas e podem, mediante exercício sem controle sofrerem de quedas, infartos, AVCs cardioembólicos, arritmias cardíacas, fraturas patológicas, rupturas de músculos e tendões etc.

Exercícios são muito bons e recomendados para quem tem um mínimo de saúde para fazê-los e devem ser feitos sob supervisão de médico/fisioterapeuta/professor de educação física a partir de uma certa idade. Alongamentos, exercícios isométricos, exercícios aeróbicos de baixo impacto e até atividades como a dança podem ser muito benéficos e prolongar a independência funcional de idosos. Porém, não vão curar o Alzheimer.

Não é a primeira vez que a imprensa alardeia curas ilusórias para a doença e alimentar esperanças vãs em pacientes e familiares aumenta cruelmente seu sofrimento, além de sobrecarregar o sistema de saúde com mais consultas e exames fúteis. Um belo artigo a esse respeito foi escrito por Cláudia Colucci na Folha de São Paulo.

Vamos devagar com o andor, pois o santo é de barro.

Roger Taussig Soares
Médico neurologista em São Paulo
crm 69239

Compartilhe nas suas redes:
roger.soares
Dr. Roger Soares é médico neurologista, nascido em 1968 no Paraná. Mora em São Paulo há mais de 30 anos e é médico credenciado dos maiores hospitais da capital paulista. Atualmente se dedica exclusivamente ao tratamento de seus pacientes particulares no consultório no Tatuapé. Gosta de escrever, aprender e provocar reflexões. "Conhecimento verdadeiro é saber a extensão da própria ignorância." Confúcio

Uma resposta

  1. Dr Taussig,o seu artigo foi muito importante pra mim pq eu vou fazer 62 anos,meu pai teve essa doença aos 90, e ele sempre foi uma pessoa muito ativa não sentava nunca,tenho uma irmã que vai fazer 70 anos e está também,tenho muito medo de tela também pq sempre leio que é hereditária,e o seu artigo já me deixou mais aliviada.Obrigada.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

You cannot copy content of this page

Pular para o conteúdo